Acordo atrasado. Primeiro erro do dia. Deveria ter acordado as 05h30min para fazer as minhas lições e estudar um pouco para minha prova de inglês. Enfim, acordei 6h30min, uma hora depois, só tive tempo de comer e tomar banho, chegando ao Inglês, implorei com condições para fazer as provas sem as lições por completo. Estudei um pouco na primeira aula, fiz revisões e alguns LCPS (exercícios de audição) e depois de um café e papo com os amigos, borá para prova, não foi como planejei, mas foi algo que me garantirá uma nota legal.
Indo embora, no carro do meu pai sintonizei na CBN por acaso só para ouvir alguma notícia rápida. Era Marcelo Bratke entrevistado para dizer sobre o seu trabalho “Alma Brasileira”, um espetáculo que abordaria algumas composições de Villa-Lobos, mostrando sua principal característica de mistura de música popular com erudita. Encantou-me o fato da apresentação ter sido um sucesso de crítica e público fora do Brasil. Encerrando a entrevista – Apresentaremos hoje no auditório Ibirapuera às 21h00min e no domingo às 18h00min o auditória está localizado... - Maravilha, não perderei essa - Chame o Fernando, ele que gosta dessas coisas também – Disse meu pai, não pensei duas vezes, mas respondi – Não sei, vou ver a tarde depois de uma soneca.
Segundo erro do dia. Planejei ir ao kung-fu treinar e completar três dias de treino essa semana, mas como sempre faço consegui desplanejar em pouco tempo e estragar tudo! Fiquei em casa dormindo. Em meio a telefones com minha namorada, um almoço e a soneca longa, ao fim da tarde liguei para o Fernando (ele já me ligara por conhecidência antes de eu ter dormido, cheguei a comentar com ele sobre a apresentação que haveria, mas sem dar certeza). Tudo marcado e nós iríamos. Acabei convencendo meu irmão de não ir para me sentir mais a vontade com meu amigo, disse a ele que iríamos no domingo juntos (terceiro erro do dia, coisa que não fiz, apesar de achar que faria).
Outra ligação para ver horário e lugar, era por volta das 18h30min e disse – Daqui a quarenta minutos na estação Jd. São Paulo – Não cheguei neste horário, enrolei muito, fiz de tudo, não chegaria a quarenta minutos, eu menti, sabia que não conseguiria me concentrar ao ponto de chegar lá em quarenta minutos, não digo porquês e nem como, tudo isso é muito para mim, não fiz, aí está meu quarto erro. Cheguei por lá 19h40min, não achei ele, ele desistiu de me esperar... Pensei de tudo naquele momento, inclusive deixei sua mãe preocupada ao ligar lá perguntando por ele, deixei meu pai preocupado quando disse isso a ele. Mas depois de um tempo, ele me liga perguntando onde eu estava. Achamos-nos, e um cara veio puxar papo com a gente, hesitamos em falar com ele, apesar de ele parecer uma pessoa boa e extremamente inteligente, disse ser professor de Tai Chi e saber sânscrito e Beethoven – Às vezes deixamos de falar com pessoas por medo do que eles poderão fazer com a gente, por puro preconceito defensivo. Pelo menos ele nos disse para pegar o ônibus Jabaquara que chegaria lá antes das 21h, algo que nos valeu à pena, obrigado Gustavo, era o nome dele. Fomos embora, juntos curtindo o caminho e falando de diversas coisas, sobre problemas, coisas interessantes e legais da vida. Quando estávamos chegando lá mal percebemos e já era a avenida nove de julho, Ibirapuera próximo ponto, corremos.
Portão dez, o segurança disse para seguirmos a marquise, a grama estava escura e molhada demais para nos sujar. Caminhamos vagarosamente, apesar de estarmos em cima da hora, foram duas ou três perguntas até nos depararmos com um triângulo retângulo branco e bem iluminado na nossa frente, parecia uma figura bidimensional no espaço como um triângulo da nossa imaginação. Acompanhamos esse muro e quando olhamos diretamente a uma luminária, que mostrava a chuva que não sentíamos em nossos corpos e vimos que aquele era o auditório Ibirapuera. Havia filetes vermelhos em formato de ondas saindo de fora para dentro como um topete encaracolado da entrada. Em um tapete vermelho, um homem com aparência de quarentão nos deu um convite, alegando que recebera ele de outrem, agradecemos o fato e dividimos o outro convite (meia) que valia trinta reais.
E sobre o espetáculo, posso dizer o mesmo que o Fernando disse sobre o que sentira: a antítese da música européia e americana à nossa frente, exposta, nua como Villa-Lobos a despiu, uma apresentação de opostos em uníssono, a percussão popular, dois garotos e uma garota de catorze anos, todos capixabas e caprichando carinhosamente em seus instrumentos hoje irreconhecíveis pelo nosso alienado. Povo este praticamente desentendido de sua cultura primordial, construída com muita paixão ao longo dos tempos, instrumentos que não sei o nome, lembrando o jeito indígena e negro de musicar. Unidos ao piano e todos os instrumentos europeus vistos em uma orquestra, trazidos pelos portugueses (aqueles comedores de bacalhau que fizeram a merda e nos deixaram com fama de filhos da puta – lembrando Hermes e Renato) e afins.
Nossos olhos brilhavam, ouvi a música com emoção, tentei me apegar a cada detalhe que saia dos instrumentos, desacreditava que aquele som vinha de um conjunto de instrumentos separados, a música soava como uma só e era quase impossível reconhecer o som que cada instrumento gritava em si. A dança da percussão tomava os nossos olhos, o reflexo dos instrumentos de metal que giravam pela sala toda, o rosto de cada integrante... Delirávamos no acento, garanto que em horas meu cérebro pensava em seu vício que isso foi feito por computadores e que cada instrumento ali presente e cada músico lá posicionado estavam apenas a ensaiar.
Ótimo, e passava o trenzinho caipira com suas rodas sonorizadas por chocalhos. Os apitos de cobradores (é esse o nome daqueles rapazes que recebiam as passagens?) lembravam cada passarinho da natureza em certas horas, apitos estes que nos apresentava a pressa que deviam ter um dia os cobradores para locomover cada passageiro em tempo. E o trem seguia com os nossos corações já aplaudindo antes que terminasse este o seu percurso sobre nossos ouvidos. Cleque, cleque – Que som. Viajamos neste trem. Marcelo Bratke fez um gol de copa do mundo com tantos aplausos. Saímos saciados. E só de pensar na minha dificuldade de manter-me sentado naquele acento, vejo que sou um bobo. Mas digo, acerto principal do dia. Acerto este que não preciso concertar e que não se repete como os meus erros, fica guardado em mim, como sempre, recordação de um grande dia.
Obrigado Fernando, andamos até a Paulista para pegar o metrô, voltamos conversando sobre tudo, desde sistema carcerário, espiritismo, hari-kiri (assim que se escreve?), livros, vida em geral, até esquecemos-nos de trocar da linha verde para a azul... Até o fim da noite, esperei o ônibus e voltei sonolento para casa e animado demais, ouvia agora de novo Iron Maiden e seus solos de guitarra, pensei que podia estar ouvindo algo brasileiro apesar de Iron Maiden ser muito bom. Acertos do dia? Sempre tenho muitos, mais do que meus erros perturbadores e repetitivos como se fossem meus vampiros da guarda.
http://www.nytimes.com/2004/09/25/arts/music/25brat.html?_r=1&n=Top/Reference/Times%20Topics/Organizations/C/Carnegie%20Hall&pagewanted=all&position=&oref=slogin
http://fejapimenta.blogspot.com/2008/04/villa-lobos-no-auditrio-ibirapuera.html
http://www.auditorioibirapuera.com.br/evento/175/marcelo-bratke-e-camerata-vale-musica.html
Indo embora, no carro do meu pai sintonizei na CBN por acaso só para ouvir alguma notícia rápida. Era Marcelo Bratke entrevistado para dizer sobre o seu trabalho “Alma Brasileira”, um espetáculo que abordaria algumas composições de Villa-Lobos, mostrando sua principal característica de mistura de música popular com erudita. Encantou-me o fato da apresentação ter sido um sucesso de crítica e público fora do Brasil. Encerrando a entrevista – Apresentaremos hoje no auditório Ibirapuera às 21h00min e no domingo às 18h00min o auditória está localizado... - Maravilha, não perderei essa - Chame o Fernando, ele que gosta dessas coisas também – Disse meu pai, não pensei duas vezes, mas respondi – Não sei, vou ver a tarde depois de uma soneca.
Segundo erro do dia. Planejei ir ao kung-fu treinar e completar três dias de treino essa semana, mas como sempre faço consegui desplanejar em pouco tempo e estragar tudo! Fiquei em casa dormindo. Em meio a telefones com minha namorada, um almoço e a soneca longa, ao fim da tarde liguei para o Fernando (ele já me ligara por conhecidência antes de eu ter dormido, cheguei a comentar com ele sobre a apresentação que haveria, mas sem dar certeza). Tudo marcado e nós iríamos. Acabei convencendo meu irmão de não ir para me sentir mais a vontade com meu amigo, disse a ele que iríamos no domingo juntos (terceiro erro do dia, coisa que não fiz, apesar de achar que faria).
Outra ligação para ver horário e lugar, era por volta das 18h30min e disse – Daqui a quarenta minutos na estação Jd. São Paulo – Não cheguei neste horário, enrolei muito, fiz de tudo, não chegaria a quarenta minutos, eu menti, sabia que não conseguiria me concentrar ao ponto de chegar lá em quarenta minutos, não digo porquês e nem como, tudo isso é muito para mim, não fiz, aí está meu quarto erro. Cheguei por lá 19h40min, não achei ele, ele desistiu de me esperar... Pensei de tudo naquele momento, inclusive deixei sua mãe preocupada ao ligar lá perguntando por ele, deixei meu pai preocupado quando disse isso a ele. Mas depois de um tempo, ele me liga perguntando onde eu estava. Achamos-nos, e um cara veio puxar papo com a gente, hesitamos em falar com ele, apesar de ele parecer uma pessoa boa e extremamente inteligente, disse ser professor de Tai Chi e saber sânscrito e Beethoven – Às vezes deixamos de falar com pessoas por medo do que eles poderão fazer com a gente, por puro preconceito defensivo. Pelo menos ele nos disse para pegar o ônibus Jabaquara que chegaria lá antes das 21h, algo que nos valeu à pena, obrigado Gustavo, era o nome dele. Fomos embora, juntos curtindo o caminho e falando de diversas coisas, sobre problemas, coisas interessantes e legais da vida. Quando estávamos chegando lá mal percebemos e já era a avenida nove de julho, Ibirapuera próximo ponto, corremos.
Portão dez, o segurança disse para seguirmos a marquise, a grama estava escura e molhada demais para nos sujar. Caminhamos vagarosamente, apesar de estarmos em cima da hora, foram duas ou três perguntas até nos depararmos com um triângulo retângulo branco e bem iluminado na nossa frente, parecia uma figura bidimensional no espaço como um triângulo da nossa imaginação. Acompanhamos esse muro e quando olhamos diretamente a uma luminária, que mostrava a chuva que não sentíamos em nossos corpos e vimos que aquele era o auditório Ibirapuera. Havia filetes vermelhos em formato de ondas saindo de fora para dentro como um topete encaracolado da entrada. Em um tapete vermelho, um homem com aparência de quarentão nos deu um convite, alegando que recebera ele de outrem, agradecemos o fato e dividimos o outro convite (meia) que valia trinta reais.
E sobre o espetáculo, posso dizer o mesmo que o Fernando disse sobre o que sentira: a antítese da música européia e americana à nossa frente, exposta, nua como Villa-Lobos a despiu, uma apresentação de opostos em uníssono, a percussão popular, dois garotos e uma garota de catorze anos, todos capixabas e caprichando carinhosamente em seus instrumentos hoje irreconhecíveis pelo nosso alienado. Povo este praticamente desentendido de sua cultura primordial, construída com muita paixão ao longo dos tempos, instrumentos que não sei o nome, lembrando o jeito indígena e negro de musicar. Unidos ao piano e todos os instrumentos europeus vistos em uma orquestra, trazidos pelos portugueses (aqueles comedores de bacalhau que fizeram a merda e nos deixaram com fama de filhos da puta – lembrando Hermes e Renato) e afins.
Nossos olhos brilhavam, ouvi a música com emoção, tentei me apegar a cada detalhe que saia dos instrumentos, desacreditava que aquele som vinha de um conjunto de instrumentos separados, a música soava como uma só e era quase impossível reconhecer o som que cada instrumento gritava em si. A dança da percussão tomava os nossos olhos, o reflexo dos instrumentos de metal que giravam pela sala toda, o rosto de cada integrante... Delirávamos no acento, garanto que em horas meu cérebro pensava em seu vício que isso foi feito por computadores e que cada instrumento ali presente e cada músico lá posicionado estavam apenas a ensaiar.
Ótimo, e passava o trenzinho caipira com suas rodas sonorizadas por chocalhos. Os apitos de cobradores (é esse o nome daqueles rapazes que recebiam as passagens?) lembravam cada passarinho da natureza em certas horas, apitos estes que nos apresentava a pressa que deviam ter um dia os cobradores para locomover cada passageiro em tempo. E o trem seguia com os nossos corações já aplaudindo antes que terminasse este o seu percurso sobre nossos ouvidos. Cleque, cleque – Que som. Viajamos neste trem. Marcelo Bratke fez um gol de copa do mundo com tantos aplausos. Saímos saciados. E só de pensar na minha dificuldade de manter-me sentado naquele acento, vejo que sou um bobo. Mas digo, acerto principal do dia. Acerto este que não preciso concertar e que não se repete como os meus erros, fica guardado em mim, como sempre, recordação de um grande dia.
Obrigado Fernando, andamos até a Paulista para pegar o metrô, voltamos conversando sobre tudo, desde sistema carcerário, espiritismo, hari-kiri (assim que se escreve?), livros, vida em geral, até esquecemos-nos de trocar da linha verde para a azul... Até o fim da noite, esperei o ônibus e voltei sonolento para casa e animado demais, ouvia agora de novo Iron Maiden e seus solos de guitarra, pensei que podia estar ouvindo algo brasileiro apesar de Iron Maiden ser muito bom. Acertos do dia? Sempre tenho muitos, mais do que meus erros perturbadores e repetitivos como se fossem meus vampiros da guarda.
http://www.nytimes.com/2004/09/25/arts/music/25brat.html?_r=1&n=Top/Reference/Times%20Topics/Organizations/C/Carnegie%20Hall&pagewanted=all&position=&oref=slogin
http://fejapimenta.blogspot.com/2008/04/villa-lobos-no-auditrio-ibirapuera.html
http://www.auditorioibirapuera.com.br/evento/175/marcelo-bratke-e-camerata-vale-musica.html
Incrível, cara! O seu comentário complementa e acrescenta várias coisas ao meu post, e o meu serve de complemento ao seu! Não importa a ordem em que forem lidos, um é o complemento do outro, como peças de um quebra-cabeça....
ResponderExcluirE, realmente, aquele Gustavo parecia gente boa mesmo... Pena que eu sou um cara desconfiado por natureza.
Ah! É harakiri (pode escrever tudo junto, é assim que está no Houaiss).
Nossa conversa foi realmente brilhante - conversamos sobre diversas coisas, mas parece que todas acabaram, de uma forma ou de outra, convergindo num ponto em comum: o espiritismo (não a "instituição espírita" em si), no sentido de "valorização da alma", reencarnação, o aprendizado por que passamos na(s) nossa(s) vida(s), e por aí vai o trenzinho...
Continue com seus posts, cara! Muito bem escrito.
Que dia lindo, não ?
ResponderExcluirmuito bem escrito, tão bem que até me deu vontade de ver esse espetáculo.(pena que eu sou condicionada a certas coisas)
mas, ficou sensacional!
você se desorganizou ao dia, mas ao final dele foi lindo!
"capixabas caprichando..."
maravilhoso!
e o final dele muito nostálgico, não ?
muito bom !
amém que eu comentei!
ResponderExcluirpeço-lhe desculpas, tá ?
Não sabia que isso estava tão lindo, se não já tinha lido antes.
gostei muuito!