sábado, 15 de outubro de 2011

DESCONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO. AFINAL, O QUE É DESENVOLMINTO?

Este ensaio busca propor uma reflexão aprofundada a cerca do desenvolvimento e diversas visões que o cercam. Polemizarei a visão preponderante econômica utilizada ao longo do séculos XX por diversos economistas, FMI, B.M e CEPAL. Tomarei por base diferentes autores que buscam construir o termo desenvolvimento. Em seguida, farei uma reflexão de como o Estado pode contribuir para o desenvolvimento, tomando por base não somente a economia, mas o desenvolvimento sustentável, político, humano, social, cultural e afastado do etnocentrismo que obscurece as teorias do desenvolvimento tradicionais.

Desenvolvimento como um problema conceitual


O termo desenvolvimento traz consigo diversas questões. Abordar desenvolvimento significa abordar uma gama de visões teóricas, políticas e até ideológicas. Desenvolvimento vai além do senso comum, senso comum este que foi disseminado por uma maioria de teorias específicas adotadas pelos ramos da comunicação e do conhecimento, que trazem consigo a economia como fator preponderante para desenvolvimento. Implicando que, desenvolver é crescer economicamente, possuir um alto PIB per capita. Ou de outro modo, crescer seria tornar-se uma grande economia capitalista mundial, no nível dos EUA e dos países hoje membros U.E. Esta mesma visão de desenvolvimento adotado pelo senso comum implica que Estados desenvolvidos são aqueles Estados industrializados cujo capitalismo se encontra em estágio avançado, estes mesmos, percursores da industrialização no mundo e pertencentes ao norte-oeste do globo. Portanto, dividiu-se o mundo em: desenvolvidos, subdesenvolvidos (em desenvolvimento, terceiro mundo, do sul...). Deste modo, Europa e Estados Unidos são vistos como os maiores exemplos de países desenvolvidos do globo. Ou seja, os fatores econômicos são os fatores determinantes para designar país desenvolvido e não desenvolvido.

Tendo em vista o trabalho de John Martinussen sobre os estudos do desenvolvimento pode-se afirmar que esta visão de desenvolvimento é uma entre tantas outras, de certo modo atualmente até superada e mantida somente por um grupo de economistas neoclássicos – visão utilizada pelo FMI e Banco Mundial. Tal teoria foi preponderante ao longo dos últimos anos do século XX, no entanto sabe-se atualmente que é necessário abordar desenvolvimento não somente como fatores econômicos, mas incorporar fatores socioculturais, políticos e humanitários, o último como proposto pela ONU.

Martinussen também propõe uma reflexão sobre a existência do chamado “terceiro mundo”, seria válido incorporar em um mesmo grupo países como Brasil e Uganda? Desse modo vê-se um grande problema da generalização. Pode-se encontrar problemas semelhantes entre Brasil e Uganda, todavia compará-los como semelhantes é um grande problema. Assim, deve-se possuir grande cuidado ao utilizar tamanho termo.

Schumpeter propõe diferenciar desenvolvimento de crescimento econômico. Para ele, crescimento é a “gradual extensão dos aparatos de capital e do aumento da produção”. Já o desenvolvimento ocorreria quando houvesse inovação técnica, novos produtos ou novos meios de organizações produtivas. Para ele, a visão clássica de acumulação por parte dos capitalistas como fator preponderante para economia foi quebrada. Para ele, o crescimento era direcionado pelas inovações técnicas em conjunto com empresários mobilizados pelo crédito em um sistema econômico como um todo.

A partir dos anos 90 as visões mais modernas de desenvolvimento foram aos poucos se desprendendo da economia e da construção de uma grande sociedade capitalista para agregar o desenvolvimento humano e o bem estar. Esta nova visão foi introduzida por economistas como Amartya Sen (Nobel de economia em 1998), Paul Streeten, Mahbub ul Haq (ECOSOC, UNDP) e outros. De acordo com estes economistas, um aumento na renda deveria servir como meio de aprimoramento do bem estar humano, não como um fim em si mesmo. O desenvolvimento do bem estar humano seria o objetivo primordial. Para isso, deveria haver crescimento como precondição para o desenvolvimento, mas não a única. Outros indicares para desenvolvimento seriam: educação, expectativa de vida, liberdade política, direitos humanos e saúde. Destaca-se o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1990.


Implementação do Desenvolvimento

Os economistas clássicos e liberais como Adam Smith teorizavam um modelo de Estado mínimo que de certo modo tentou-se ser aplicado em sociedades por alguns políticos; contudo, de acordo como alguns economistas como Karl Polanyi, tal sociedade de Estado mínimo dirigida pelo mercado seria uma utopia. O Estado deveria fazer uma política para o mercado. De acordo com ele, não deveria se adotar uma só visão de capitalismo, pois no mundo existiam diversos tipos de capitalismos que se adequariam a diversos lugares do mundo, afastando um pouco o etnocentrismo da economia.

O economista que marcou fortemente a relação entre Estado e economia foi J.M Keynes, que no início do século XX fez um estudo sobre o desemprego na Europa e se afastou dos modelos clássicos de economia. Para ele o Estado deveria impulsionar a economia e os gastos públicos serviriam como um modelo anticíclico. Tal estudo de Keynes seria uma afronta às teorias liberais de Estado mínimo, onde o mercado atuaria como condutor da economia. Os problemas dos modelos econômicos clássicos se confirmaram após a crise de 1929 nos EUA, fazendo com que muitos Estados, como os próprios EUA (New Deal sob Roosevelt) e Europa adotassem políticas coerentes com a visão de Keynes. Iniciou-se um modelo de Estado mais interventor que se manteve até os anos 50.

Já no Brasil, assim como em outros países da América Latina, o desenvolvimento como um projeto de Estado foi iniciado nos anos 30 (Governo Vargas no Brasil), que já passou a criar empresas estatais de bens de capital e a incentivar a industrialização em detrimento das elites rurais. Passou-se a dar mais importância para um capitalismo industrial que um agrário exportador. Iniciou-se os planos econômicos e a substituição da importação teorizada pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina) e por economistas estruturalistas como o argentino Raul Prebisch e o brasileiro Celso Furtado, que viam o mundo dividido entre “centro” e “periferia”. Nesse modelo o Estado seria mais interventor e criaria políticas comerciais tarifarias que barrariam a entrada de produtos industrializados/indústrias vindos do exterior para dar lugar a uma indústria nacional nascente, o mercado interno seria de maior importância. Para economistas como Furtado o desenvolvimento não era um processo evolutivo natural e poderia ocorrer a qualquer momento. O subdesenvolvimento era “um processo particular, resultante da penetração de empresas capitalistas modernas em estruturas arcaicas”, além de não ser um processo homogêneo.

Como se vê, todas essas tentativas de se introduzir um “desenvolvimento” a partir do Estado e as vertentes latino-americanas utilizavam-se da visão econômica de desenvolvimento. Tais visões focavam-se em um objetivo primordial de desenvolvimento como uma economia capitalista tradicional, focada na produção, consumo e no mercado. Tanto Polanyi, quando Keynes e os estruturalistas cepalinos tinham uma visão econômica e essencialmente capitalista de desenvolvimento, como já criticada acima.

Para se contrapor a essa visão estritamente economicista e apresentar uma nova forma de se enxergar o desenvolvimento, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso no fim dos anos 60 passou a elaborar uma visão sociológica do desenvolvimento. Na obra de Fernando Henrique destaca-se a questão da dependência (oligarquias) na sociedade que obstruíam o desenvolvimento econômico. Em sua obra fez questão de criticar diretamente o papel da CEPAL como estritamente economicista e incompleta para realizar um estudo sobre desenvolvimento, sendo imprescindível uma visão social do que seria desenvolvimento. Fernando Henrique inova ao inserir o papel sociopolítico de desenvolvimento.


Desenvolvimento Humano e Multidimensional


Um Estado considerado subdesenvolvido no continente africano ou asiático não diferencia-se qualitativamente de um Estado europeu ou americano. Deve-se ficar atento ao se utilizar o termo “desenvolvimento”. Que desenvolvimento se pretende afirmar? Econômico? Político? De direitos? Culturais? Desenvolvimento pode-se referir a uma magnitude de coisas.

Sabe-se que se referir a uma sociedade inteiramente só por sua economia é uma forma falha de se referir a ela. A economia é somente um dentre vários fatores que descrevem um Estado ou sociedade específica. Nesse modo, a antropologia entra como fator determinante ao ver a sociedade. Pois, o desenvolvimento que costuma ser pregado, em todos os aspectos, até mesmo o humano da ONU, é tomado por uma visão ocidental de mundo, logo etnocêntrico. Precisa-se saber até onde uma sociedade quer se desenvolver. Todas as culturas e formas sociais de vida são iguais, e nenhuma está encarregada de definir o que é desenvolvimento para outras sociedades. Assim, um Estado árabe sabe muito bem o que é desenvolvimento para si, um Estado latino-americano também, assim como um Estado africano sabe quais são os problemas que pode superar. A Primavera Árabe pode ser um exemplo de como um povo resolve superar obstáculos em prol de um desenvolvimento a partir de si mesmo, e sem a ajuda de outros Estados, nesse caso, um desenvolvimento político, que visava uma sociedade árabe mais democrática. Ou seja, desenvolvimento sob suas próprias perspectivas.


Bibliografia


MARTINUSSEN, J. State, Market and Society. Londres/Nova Iorque, Zed Books, 2005.

POLANYI, Karl. A Grande Transformação. As origens de nossa época. Editora Campus/Elsevier, 200.

PREBISCH, R. “O desenvolvimento da América Latina e alguns de seus problemas principais” e FURTADO, C. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo, Cinquenta anos do pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro e São Paulo, Ed. Record, 2000

CARDOSO, F.H & FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.