terça-feira, 27 de maio de 2008

Luto da Família Silva - Rubem Braga


   
  Esta crônica, abordada na minha aula passada de língua portuguesa e redação, retrata através de uma audaz metáfora o povo brasileiro e suas características em um tom crítico e jornalístico, levando-a à extemporâniedade, escrita em 1935, mantém-se válida atualmente.
   A seguinte metáfora centraliza-se na comparação da morte de um moribundo "João da Silva" com todos os homens da marjoritária classe baixa, operária ou camponesa do Brasil, a qual muitos possuem o sobrenome em destaque.
  O título "Luto da Família Silva" individualiza a morte como de propriedade única e absoluta da família Silva. Sendo esta referida com um cérto ar de esperança por um futuro melhor, em que os Silvas teriam o poder um dia, vide a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, mas creio eu que ele tem pouco haver com os Silvas da crônica em destaque.


  "Luto da Família Silva"

Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.

João da Silva - Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome de Tal". A família Silva e a família “de Tal" são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.

João da Silva - Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho - vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mata, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz as bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.

Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...
Junho, 1935

4 comentários:

  1. E pensar que a família Silva constitui "apenas" 1/3 do Brasil "de todos"...

    E pensar que estamos mais preocupados em nos desviarmos dos mendigos que encontramos na rua a de fato entender a causa dessa miséria a princípio alheia, mas que pode um dia afetar-nos todos...

    Quando os problemas batem à soleira da porta do vizinho, pouco nos importamos... Quando bater à nossa, será tarde demais.

    Mas na miséria da vida, encontramos os mais fortes e bravos corações, a verdadeira nobreza - a força de viver com a cabeça soerguida, não importando as tribulações... A fibra de viver, dignamente, a vida!

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  2. Eu acho que a verdadeira nobreza é a que Nietzsche dizia, isso que importa para mim. A nobreza de espírito, de resto, não precisamos de mais nada!

    A pior coisa que existe, é tu ser um "João da Silva" de espírito, que abaixa a cabeça a tudo e é manipulado facilmente...

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  3. Crônica mto boa dessa grande escritor (eu tenho alguns livros de cronicas dele, apesar de eu num lembrar de ter lido esta)

    Ela serve para nós reflertimos sobre mtas coisas da nossa vida, a vida da família Silva.

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  4. Um Silva deve ter comido a mãe e as irmãs dele.Então, como ato de revolta e resposta ele fez essa crítica às pessoas da família em questão.

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