quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Dois contos de Machado, uma análise (Comemorando os cem anos de sua morte)

Missa do Galo

-Relação entre narrador e leitor

-Consciência

-Memória



Missa do galo é um conto de Machado de Assis com algumas características do romantismo literário, no entanto, já com diversos recursos do realismo. Como o suspense, o final inesperado, o famoso puxar de tapete de Machado, as questões de dúvida, consciência do personagem referente ao conflito em questão. Atrelado ainda com algumas características românticas como, a mulher idealizada e perfeita (como uma santa, seguidora de toda moral) tomando o papel de Conceição, papel este que muda com o andar da história, as morais e costumes da sociedade muito presentes, entre eles a própria missa do galo e a vontade da personagem principal em vê-la.

Neste conto, Machado se utiliza do narrador a primeira pessoa para aproximar o leitor do personagem e até mesmo confundi-lo com a opinião pessoal e limitada do mesmo. Em Missa do galo o personagem principal Nogueira, um homem que se apresenta um tanto quanto conservador, inocente, vindo do interior, religioso, proveniente de bons costumes ao longo do texto, ao ponto de não entender a misteriosa sedução de Conceição e negá-la, confundindo freqüentemente o leitor com isso, hora ele gosta e se mostra seduzido, hora tenta se afastar. Machado cria um ar de expectativa com este narrador-personagem ao longo do texto misturando o tempo cronológico com o psicológico, dando um ar de suspense com as dúvidas partilhadas de Nogueira, dando aos leitores o mesmo ar duvidoso conforme ele se sente cada vez mais seduzido por Conceição, até um ar de esperança dependendo do tipo de leitor. E esta narração é bem detalhada, ele atrela o diálogo entre os dois junto de uma ótima descrição do ambiente, o que prendia a atenção de Nogueira, o que se passava em sua cabeça.

Com tudo isso, concluímos que a relação entre o narrador e o leitor é muito próxima, colocando o leitor na mesma situação de Nogueira, causando as mesmas dúvidas, sensações, vontades e até mesmo a consciência. Portanto, vamos à consciência. Não há como definir as intenções de Conceição e o que realmente Nogueira quis, pois Nogueira também parte de um convencimento de que, a princípio Conceição era uma santa nem bela e nem feia, que não queria nada e, após se seduzir, uma mulher lindíssima e que estaria até certa em agir desta forma, pois seu esposo a traia e ela aprendeu a não ligar. Nogueira também, ao mesmo tempo em que compartilha das suas idéias com o leitor, ele também compartilha as suas dúvidas sobre a sedução ou não. E são nessas horas de dúvida em que ele, por respeito e pela moral (inclusive pela sua religião), tenta se convencer do contrário e a fugir de qualquer comprometimento dele com uma mulher casada, ter um romance proibido. Conquanto, convencendo também o leitor de que um romance entre os dois não ocorreu e que isso tudo poderia ser apenas um impressão de sua parte. Ou também, quando ele a visto bela acaba até cedendo a uma possível sedução, ele também convence o leitor de que isso seria até bacana.

A memória proporciona uma certeza do evento, o narrador dá a hora, dia, lugar, descreve muito bem o ambiente não deixando dúvida alguma sobre a sua ocorrência. Ele é tão detalhista que chega até a passar informações sobre personagens secundários lá presentes, sobre o ocorrido posteriormente e até o fim que levaram as personagens após a sua estadia na casa. Enquanto a memória Nogueira é certo e objetivo! A dúvida fica mesmo no psicológico e no decorrer do tempo que se confunde como já dito, entre psicológico e cronológico.

O enfermeiro



Como na Missa do galo, neste conto Machado também utiliza a narração em primeira pessoa de mesma forma. Só que nesta vez ainda mais fundada no psicológico do personagem e seu medo e culpa. Como também ocorre na Missa do galo, este também se inicia como/com uma confissão, só que este, como se fosse uma confissão a fim de se livrar da culpa, uma confissão de fim de vida, daquelas que a pessoa faz para ficar religiosamente sem nenhuma questão a se resolver em terra. A questão do tempo é tão incerta que nos dois primeiros parágrafos o narrador diz que poderia contar a sua vida toda, mas ele não possui tanto tempo e papel assim. Ou seja, o tempo é extremamente psicológico.

Enquanto a relação narrador/leitor em O Enfermeiro o narrador é ainda mais persuasivo e muda de opinião conforme o texto muito mais acentuadamente do que na Missa do Galo, onde no final Nogueira termina por ignorar toda questão e continuar a achar que isto tudo se passou e nada na vida dele mudou após o fato. Em O Enfermeiro Procópio se espanta e se sente culpado de imediato ao assassinar Felisberto, no entanto mais tarde ele começa até a achar que foi um bem ele ter o matado e que ele morreria mesmo após alguns diazinhos. Aí novamente encontramos aquela retórica de convencer o leitor e a si mesmo.

Sobre a consciência, Machado coloca neste conto a disputa entre o bem x mal, o sentimento de culpa, os mecanismo de defesa, o psicológico e a retórica. A moral da sociedade é colocada em jogo e a todo tempo o narrador tenta convencer o leitor que o assassinato de Felisberto foi um bem e que com isso muitas pessoas se fizeram deveras felizes. Com o grande número de elogios recebidos por ele. Mesmo assim, ele tentava manter as aparências devido à grande herança que ele recebera do velho, para que ninguém percebesse nada, construiu até mesmo uma lápide em homenagem a ele. Em um momento ele até chega a achar que o coronel era bom, e que ele foi o circunspecto, mas após conversar com a população local já muda de idéia, porém ainda, pede para rezarem uma missa em nome do velho a fim de se manter uma aparência, como dito.

Com tudo, Procópio limpa sua mente e convence todos os leitores sobre sua inocência. A memória neste conto não é tão certa quando na Missa do galo, ela vai de acordo com as lembranças e opiniões de Procópio. Não é tão certa quanto à de Nogueira. Com isso, nós não ficamos com a mesma certeza sobre o que Procópio diz, contrariando Nogueira que diz data, hora, local, tudo bem especificado. Por isso, a confiança que o leitor passa a ter sobre Procópio já é menor, fazendo com que ele passe até a julgar o até dele. Em todo o momento as únicas informações que temos são de Procópio. O conto é totalmente tendencioso quanta opinião, além de ser em narrado pelo personagem, o tem na parcialidade.

3 comentários:

  1. Escrevi uma notícia baseada no conto do Enfermeiro. Agora que li seu fortuito comentário acerca dele, vou arrepiar meus cabelos até a encontrar. E, claro, postar no blog.

    Muito boa análise. Eu não poderia ter feito melhor.

    O/\O

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  2. Quando vi o tamanhao da análise, pensei em desistir de ler. Mas, por alguma razao, fui adiante. Muito boa! Fiquei até com vontade de ler rsrs.
    Ainda bem que nao me deixei seduzir por aquela vontade inicial.

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