domingo, 5 de julho de 2009

O homem que virou suco

Um filme por João Batista de Andrade. Conta a história de Deraldo, um poeta paraibano recém chegado à São Paulo e que luta duramente para conseguir subir na vida, tal filme mostra de uma forma extremamente realista a realidade dos nordestinos vindos a São Paulo em busca sempre do mesmo objetivo, ter um futuro melhor, e que na maioria dos casos acabam sofrendo preconceitos, desesperanças e humilhações por parte dos paulistas e das classes ditas mais altas.

Interpretado maravilhosamente por José Dumont, Deraldo que é ao longo de todo o filme confundido com Severino, um homem que mata seu patrão e que é duramente procurado pela polícia e é nessa procura incessante que a trama se inicia, levando Deraldo a tomar o papel de vários homens nordestinos diferentes em uma só, passando por vários papéis desde pedreiro até copeiro, chegando inclusive a trabalhar para o metrô. Mas entre tantas reviravoltas de personalidades assumidas neste enredo, jamais Deraldo perde seu caráter de poeta, combatendo sem nenhum escrúpulo todo e qualquer tipo de preconceito com ele exercido, Deraldo chega até a passar fome, a ser tratado como mendigo, sofre humilhações, mas em nenhum momento perde sua honra ou aceita qualquer tipo de atos desumanos consigo.

Um filme como este traz mensagens muito profundas principalmente para as pessoas vindas de famílias ditas de classe média-alta que são totalmente culpadas por todas estas humilhações e preconceitos que os nordestinos injustamente sofrem neste país e nesta cidade de São Paulo, algo já sofrido pelos negros no passado (ainda) e também pelos pobres, desde sempre. A realidade de uma pessoa como esta é abordada tão perfeitamente neste filme que põe as pessoas que o assistem na condição igual a dela, do pobre, ou neste caso específico, do nordestino, entendendo completamente todo o sofrer, toda a cultura, toda a vida dura, todo o cotidiano deste bravo povo que no final de tudo, só queria viver em alguma condição mínima de subsistência, abondonando tudo em seu local natal (família, amigos...), em sua árida terra, por condições melhores de vida em uma cidade com muito mais esperânças e oportunidades, da mesma forma que os "bárbaros" procuraram em Roma uma nova esperança, uma única oportunidade de serem também romanos, modernos, saudáveis, felizes e justos. E sim, temos sim todo um preconceito por trás dos nordestinos e imigrantes, quem nunca presenciou, inclusive na própria família um ato de preconceito? Que jogue a primeira pedra. Quem nunca chamou alguém de baiano com intenção de ofender? Como se baiano fosse ofensa. Quem nunca viu um nordestino ser tratado mal, ou como bicho, por ter um nível baixíssimo de educação e "cultura"? Ledo engano dos povos metropolitanos que recebem todos os dias estes sofridos seres humanos. Não, eles não tem cultura inferior. Baixa educação? Alienados pelo clero e pelos políticos? Sim. Culpados por isso? Não. Todos são assim? Não.

Podemos até inclusive fazer outras analogias, além da que eu já fiz sobre Roma, como a do alto nível de imigração pelos povos latino-americanos (odeio tal expressão) à europa ou aos EUA... Ou de chineses e indianos para muitos locais do mundo, todos eles sempre com os mesmo objetivos, procurar uma condição decente de vida.

Mas enfim, com certeza, só presenciando a vida deles para saber a sua condição, e ai sim, poder julgá-los. Porque se nós estivéssemos na condição deles, faríamos o mesmo. O que podemos fazer em relação a estas imigrações? Tratá-los como humanos e entender as condições deles, para depois criticar, se todas as pessoas de classe-média-alta tivessem esta consciência nossa sociedade seria bem melhor, pois afinal, se no nordeste as coisas fossem 100% boas, eles não viriam para cá e além do mais, quem do Brasil nunca teve vontade de emigrar para um país de primeiro mundo em busca de melhores condições de educação ou vida, quem nunca teve? Pronto, muitos de vocês já sabem na pele o que é isso.

E dedico a este filme toda esta minha reflexão, recomendo a qualquer um tal experiência, pois vale a pena, a melhor abordagem cinematográfica sobre este tema, com certeza!

Para maiores informações:

http://www2.uol.com.br/joaobatistadeandrade/suco.htm (site do diretor)

Qualquer dúvida, crítica ou sugestão, deixem comentários. Até mesmo de erros de concordância ou ortográficos, totalmente comuns.

Quem quiser adquirir o filme, pergunta para mim que eu digo aonde.

"Aliás, é preciso esclarecer uma coisa: o audiovisual que está no filme, apresentado aos migrantes das obras do metrô com o claro intuito de quebrar sua cultura, de ridicularizar seus hábitos, de exibir seus modos como coisa atrasada, é uma cópia praticamente exata do audiovisual que eu vi num canteiro de obras quando ainda estava na Globo. É uma reconstituição feita de memória pela recusa da empreiteira em me emprestar o material, de conteúdo absolutamente facista, visando, mais uma vez, tornar o migrante dócil, obediente, desprovido da força que sua formação cultural lhe proporciona. E é esse massacre ideológico que justifica a seqüência extremamente forte do personagem do poeta no meio do corredor de madeira (chamado de "tronco", nos currais de gado), a caminho da cantina, onde ele se sente um boi. Por incrível que pareça, o "tronco" existia na obra em que filmamos. E era por ali que os operários tinham que passar, como bois, para comer."

Parte do discurso do diretor João Batista de Andrade sobre uma das cenas que mais me chocaram ao longo do filme.

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